quarta-feira, 4 de abril de 2012

As Flores de Madeira

Carlo Celso Lencioni Zanetti
Academia Caçapavense de Letras

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AS FLORES DE MADEIRA


“A cela do castigo é estreita, fria e não há nenhuma manta para o detento se cobrir. Pelo buraco que serve de latrina, de vez em quando, sai uma ratazana que olha com curiosidade o homem encolhido no canto. Fora, ouvem-se gritos e o barulho habitual da prisão de Aguadores, uma das mais temidas de Cuba.”

“ (Wilman) Vilar (Mendoza), que morreu após uma greve de fome, ganhava a vida fazendo trabalhos de carpintaria e alvenaria. Sua especialidade eram as belas flores de grande caule, em madeira, que os turistas compram para levar como lembrança da ilha. Um caule com seis pétalas, talhado com a paciência de quem sabe que o tempo, em Cuba, não vale muito e os minutos não o tornaram nem mais próspero nem mais feliz.”

“Em Cuba, como diz um amigo, “ninguém sabe o passado que o aguarda”.”

”A necessidade de usar o corpo como praça pública da indignação, em uma ilha onde protestar é proibido, foi determinante para o triste desenlace do dia 19 de janeiro” (de 2012).

Trechos de artigo de YOANI SANCHEZ.

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Vilar tinha 31 anos...e sonhos de liberdade...
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A cela do castigo é estreita
e não há nada que possa proteger o corpo
do frio intenso que o congela à morte,
se não morrer antes pela ação dos seus algozes
ou pela fraqueza que lhe toma conta,
maior que a força da alma que o conforta.
A cela do castigo é estreita
como as mentes dos que a conceberam,
embora capazes de inimagináveis crueldades
em nome da ideologia que resiste sucumbir...
Na solitária cela de onde os olhos se afastam
só lhe dá companhia a ratazana imunda
mas menos profana do que aqueles
que juntaram seus destinos insólitos.
O ser que se encolhe ao canto,
não sente mais a dor intensa que o domina,
recolheu ao fundo de si mesmo o pranto
que gostaria de derramar, não por si,
mas pelos que gritam em Aguadores
os sons que se eternizam na longa noite
que sufoca a ilha de seus muitos amores.
Pensa também naqueles que não podem gritar
por lhes faltar a coragem do gesto
ou por temerem pelos seus,
ameaçados pelo anonimato dos bajuladores
sob o jugo da ditadura cruel,
de tantos apoiadores cegos de alma
mas de olhos vivos a admirarem
o mito que os extasia.
Sua culpa, pensar. Seu mal, se expressar.
O passado que não teve lhe foi dado por seus algozes;
condenado pelas palavras, fizeram-no maldito.
A bandeira em que se enrolou um dia
sequer lhe servirá de mortalha, pois,
os tiranos temem os símbolos de afeto
por unirem os tiranizados.
O passado que lhe foi criado o tornou mais um
a sucumbir sob as imposições do pensamento único,
para regozijo e repugnante apoio dos amigos brasileiros,
velhos – uns nem tanto - camaradas, todos companheiros,
convidados ao eterno velório da democracia cubana.
Seu corpo, “praça pública da indignação”,
foi o local que lhe restou para o protesto
que não lhe podem tirar ou impedir;
seu corpo é o palco da sua imolação.
As flores de madeira enfeitarão, agora, o seu caixão.
Flores sem perfume, mas contendo nelas
o cheiro da morte injusta,
levado por elas além da ilha.
São elas, de uma só cor e sem olor,
mais belas do que a estrela de flores vermelhas
que enfeita a casa presidencial brasileira.
Vermelhas como o sangue que corre em Cuba!
Na cela escura, fétida e fria,
a ratazana espera uma nova companhia...

Caçapava, janeiro/2012

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